quarta-feira, 14 de abril de 2010

Dos erros e quase acertos...





     Ainda que em exercício de indiferença ao alheio, incomodava-me algumas organizações de mundo ao meu redor. Não que agora eu tivesse a posse da verdade ou tivesse rasgado minhas leituras de outrora e agora me tornasse senhor e definidor do bem e do mal. Incomodava-me algumas inversões, se “por amor às causas perdidas[1]”, cederia uma licença poética, mas no entanto, era apenas “peixe fora d´água, borboletas no aquário”.[2]
     O desdém alheio por aquilo que aos meus olhos parecia perfeito não era de agora e já não me era problema. Mas tarde da noite, antes do sono, quando ainda é cedo para sonhar, algumas imagens e sons me saltavam as idéias (na ausência de carneirinhos e cercas). Indagava-me sobre as construções embasadas em conjunturas e não em estruturas. O cara errado no lugar certo e na hora certa; o silêncio fazendo se passar como a palavra certa; a voz do povo e o equívoco divino; e a história acontecendo “com ou sem você[3]”.
     As melhores cartas na mão do pior jogador, um expediente válido para o equilíbrio do universo? Ainda que a derrota seja inevitável, ainda me é possível escolher não jogar. Como na infância ao se jogar vídeo-game e diante do intransponível desafio: “-Quem foge vive para lutar de novo”. A idéia do “All that you can’t leave behind[4]” mesmo, de que só é meu aquilo que eu posso abdicar.(Já falei disso outrora por aqui.) E a solidão das pessoas é minha, o medo do escuro, as dúvidas e a inconstância de quem muda de idéia como quem muda de cor. Do meu monocromatismo só me é possível ir de um extremo ao outro, há tempos perdi o meio termo das coisas, o meio do caminho que tinha uma pedra, o meio que justifica o fim. Não sei escrever “Talvez”, ainda que durma abraçado de conchinha com a dúvida, apenas conheço o não e o sim, a verdade ou o silêncio(fiz um curso à distância há três primaveras para desaprender a mentir), a folha em branco ou a poesia da alma (a vida é escrita em definitivo e eu gosto é do rascunho e das coisas rabiscadas), na ausência da outra metade, só me resta ser por inteiro.[5]
     As tradições que eu inventei para traduzir a minha busca incessante pelo novo. Talvez isso explique o adjetivo inconstante em mim: o desejo pelo novo talvez demande desequilíbrio para viabilizar a concepção de um reequilíbrio. A tradição, numa atitude antropofágica, implodindo-se hoje para construir novos horizontes amanhã.
     Como imprimir acertos em um cotidiano usurpado pelos erros de um passado que não me foi possível viver? Sobrevida outrora, das cinzas e escombros se faz algo novo. Por se dar um novo sentido à matéria das coisas, pela mudança ocorrida no observador e não no objeto. A grande revolução do mundo e da humanidade acontecida no lado esquerdo do peito, em um coração que aprendeu a pulsar e (de)bater(-se) sozinho e em silêncio...









[1] Engenharia hawaiiana, Dom Quixote...
[2]  Engenharia hawaiiana, ... de la Mancha.
[3] Você também, aquela música que fala tudo sobre a “paixões cruéis desenfreadas”.
[4] Você também, o disco de 2000 que fala sobre perdas e finitudes.
[5] Algumas notas ficam nos parênteses e nas entrelinhas.







4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. ''a vida é escrita em definitivo e eu gosto é do rascunho e das coisas rabiscadas.''


    Eu também...

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  3. Como pessoa de claro pensamento cartesiano,às vezes busco em vão, os meus sentidos e lógicas em seus escritos.Mas, por sorte e bem da estética, a beleza e profundidade deles vão bem além de meus limites,do meu materialismo(histórico?)e talvez de minhas utopias(revolucionárias?)...

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  4. De onde vem essas epifanias?
    Veio-me à cabeça tantas coisas que nem consigo organizar as idéias para fazer um comentário descente! Poderia citar minhas partes prediletas, minhas afinidades, mas não...isso não seria suficiente!
    Então vai aqui um comentário, que mais serve de combustível do que necessariamente opinião, continue produzindo essas maravilhas que você traduz com tanta dignidade.
    obrigada por compartilhar suas idéias.

    abraçoooo!

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Rupturas no silêncio...