segunda-feira, 27 de maio de 2019

Você não é artista, você só tem internet.








“Considerando que cada interpretação de uma mesma obra apresenta, no campo da música popular, suas próprias alturas, durações, intensidades, timbres, densidades, texturas e formas, entendemos que o que é denominado correntemente de “versão” deve ser entendido como um “original” único, uma composição em si.” Sérgio Molina- Música de montagem




A ampliação das perspectivas e dos horizontes estéticos deveria ser algo que invejaríamos daqueles que se aventuram a usar o adjetivo artista. No entanto, em ambientes com ares viciados em que a mesma fala é retroalimentada, como os sons que reverberam em um banheiro, quaisquer produções podem ser distorcidas até o extremo de que o mero fato de se produzir algo seja válido  por si só e isso  leve aos outros o imperativo de admirá-lo. A mesma frase repetida cem vezes viria a se tornar verdade e o a(u)tor talvez esqueça de descer do personagem compartilhando sua narrativa de luta contra os dragões ou os moinhos de vento. Mas o que sempre me intrigou não foi Quixote confundir Tiamat com Drogon, mas sim Sancho dar crédito ao amigo sem nem mencionar a possibilidade de encaminhá-lo ao CAPS mais próximo. Segue o texto e em paralelo uma ideia que me chegou na mesma semana por três vias distintas: a citação do Sérgio Molina em um livro garimpado numa livraria na terrinha e a oportunidade de ter assistido uma performance de uma banda cover do Pink Floyd que executou o “Dark Side of the Moon” na íntegra como direito a todos os sons, samplers, vocais e efeitos que só um fã rogeriano (aquático) demandaria e indiretas por vias de comunicação alternativas  de “pessoas de alma bem pequena, remoendo pequenos problemas querendo sempre aquilo que não tem”. As mesmas músicas de quase 50 anos lidas e relidas de uma forma que só me lembro de um verso de outros textos e de outras músicas “deve haver alguma coisa que ainda te emocione”, porque quando nos faltam as palavras inventamos os poetas (e agradecemos aos deuses pelo Pink Floyd). Nesse interim de divagações de escritas e sons, as sonoridades se renovam e se reinventam à cada novo olhar, leitura ou escuta e me remetem a ideia de que as músicas assim como os fatos não são absolutos em si, mas sim uma pluralidade de interpretações e intenções  em que a única coisa estanque ou imutável seria a nossa ignorância em não perceber que o infinito está ao nosso redor e que nesse processo o superestimado artista é só mais um instrumento para a concepção/execução das canções.








PS- Depois do texto pronto me chegou a ideia de que todas as versões/covers das músicas podem soar como "juntos e shallow now"para alguém e a gente por vaidade ou inocência nem cogita isso quando toca as músicas alheias.


Ps2- Sobre gente que se leva à sério e viram entretainers quando fingem tanto ser bom no que fazem que esquecem que tem gente que já leu aquele roteiro e sabe como o filme acaba... isso ainda me rende um texto... Enfim, o ponto é que o cover mais emblemático de Pink Floyd ainda será o do Falcão em sua releitura de "Another brick in the wall part 2".