domingo, 28 de março de 2010

Das memórias (ou “desmemórias”)...

       Abdicar de um sonho é mais difícil que tentar concretizá-lo. Abdicar é perder enquanto quem tenta efetivá-lo encontra a possibilidade de não ganhar. Caminhar sem aquilo que nunca tivemos é mais fácil que continuar deixando para trás o que nos pertenceu. Eu nunca tive asas (mesmo que outrora tivesse aprendido a voar) o quão maravilhoso seria minha locomoção viabilizada por asas. No entanto, não ter mais uma das pernas castraria a dinâmica de meus movimentos. Perder é uma dor maior do que não ganhar. Deixar para trás é bem mais fácil que seguir em frente. Esquecer é uma tarefa árdua, um exercício constante para não lembrar. É mais fácil contornar os problemas de se ter uma fraca memória que os ônus de se ter uma boa memória. Para aquela, notas e anotações podem dar cabo às intempéries, enquanto para esta há apenas o fardo e o pesar como quem anda mancando por ter uma ferida aberta. Cada passo é um movimento contrário à tentativa de esquecer. Deixar à cargo do tempo é como delegar ao acaso a responsabilidade pela vitória. Boa memória não é atributo, é castigo. É um doença auto-imune insistindo em sempre cutucar feridas. Nesse contexto, o vazio se apresenta como um horizonte com mais cores em um mundo em que ter boa memória implica em daltonismo.

2 comentários:

  1. O cérebro apaga, automaticamente, tudo que acha desinteressante. Se você lembra da dor é porque, de alguma forma, ela lhe interessa...

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  2. Hilário,esta é uma grande temática existencialista.
    Memória...q. ferramenta estranha...tudo me parece uma questão de como lidar com a dor e com a saudade de certas ausências.Ela deve nos proteger,mas não nos prender.
    Qdo a idade vai passando,vamos dando importância a isso cada vez mais...grande parceira do envelhecimento...por isso q. qdo alguém é acometido de alzheimer é por demais sofrido não se recohnecer na sua própria história,é a perda da própria identidade.

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Rupturas no silêncio...