A chuva como lágrimas de quem se inunda na lama do
lixo do descaso é a mesma água que lava a alma de quem vive a seca? Eu como
tradutor do óbvio, não me repreendo em decretar-me feriado quando chove. Sou
uma pessoa de poucas alegrias e de onde venho a chuva ainda é um evento. Quando
chove para tudo, como se chover não fosse impessoal, mas sim um momento de
comunhão de um bem estar travestido de preguiça com a contemplação dos pingos
de água que já não fingem ser dor ou mágoa. Talvez até lágrimas de uma
coletividade que transborda alegria só do prenúncio de chuva percebido quando
se avista o “tempo bonito pra chover”. Sou do Ceará, por esses tempos quase
Saara, mas nesta seara de nascenças e transcendências, quiçá quis minha vida
que minhas raízes estivessem no ar. Talvez por assim ser um modo de esta muda
de si mesmo se fixar em qualquer lugar e não se prender em nenhum lar. De
qualquer forma, carrego em mim o afeto por esses dias em que a ausência solar
faz um feriado na Terra do Sol.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
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Isso me fez lembrar:
ResponderExcluir"Enfim caiu a primeira chuva de dezembro. Dona Inácia, agarrada ao rosário, de mãos postas, suplicava a todos os santos que aquilo fosse “um bom começo”. Conceição, comovida, pálida, de lábios apertados, a testa encostada ao vidro da janela, acompanhava a queda da água no calçamento empoeirado, o lento gotejar das biqueiras e de um jacaré da casa defronte, que deixava escorrer pequenos riachos por entre os dentes de zinco.
Na solenidade do momento, ninguém se movia nem falava. Só a Maria, a preta velha da cozinha, irrompeu pelo corredor, acocorou-se a um canto e engulhando lágrimas e mastigando rezas, resmungava:
- O inverno! Senhor São José, o inverno! Benza-o Deus!
Foi estranha a impressão de Vicente, acordando de madrugada, com um barulho desacostumado no
telhado.
- Chuva? Possível?!
Meteu os pés da rede, correu ao alpendre:
- Chuva!
Chuva fresca e alegre que tamborilava cantando na velha telha, e corria nas biqueiras empoeiradas, e se embebia depressa no barro absorvente do terreiro!"
(O Quinze, de Rachel de Queiroz)