terça-feira, 8 de novembro de 2011

     Meus óculos quebrados são como uma cicatriz de batalha. Um dia estendi a mão a uma pessoa caída e ela me respondeu com um tapa endereçado ao meu rosto. Por esquiva, por reflexo ou por acaso ela só encontra meus óculos. Eles voam e levam junto meu intuito em ajudá-la. Sem meus óculos era eu quem precisava de ajuda e a outra face a ser oferecida seria minha ausência.  

  
     No meio da multidão, no meio da confusão, no meio da história, o cavalheiro havia caído do cavalo e eu estava sozinho a procurar e defender meus óculos de um pé cego que esmagasse a minha possibilidade de visão. Tomando a necessidade como mãe da criação (já ouvi dizer que o MacGyver era o pai) começo a tatear o chão, movendo as mãos em movimentos circulares na expectativa de cobrir uma área maior. (Não, eu não pensei em ficar olhando o chão até encontrá-los.) Antes que eu também começasse a precisar de alguém me estendendo a mão, minhas mãos encontram meus óculos. Volto a enxergar e consigo ver que parte da lente havia sido quebrada, parte da lente ficara naquele chão, como parte do meu gesto de compaixão (pois o gesto com paixão) havia sido quebrado por aquele tapa.



     A menina ao chão derrubada por algum terceiro alheio aos limites e às limitações do outro e indiferente à sua dor viu na mão que eu estendia a possibilidade de mais um golpe ou o espaço para revidar a agressão sofrida. Ela havia vingado a queda, ela levava mais alguém ao chão e estava quite com a história. Ela seja por reatividade, seja por vingança, seja por materialismo-dialético-monocromático-egocêntrico, seja por ser um oprimido reagindo contra o opressor (Opressor: leia-se tudo que estiver de pé, tudo que não for oprimido), seja por medo de mais um golpe, viu na mão estendida por mim a mão que lhe havia agredido ou mesmo um simples “desconta lá”.Quem pagou a conta? Meus óculos que resignadamente sempre foram gentis e compreensivos com as limitações e fragilidades alheias. Inocentes surpreendidos e punidos por permitir que meus olhos ao olhar por alguém não vissem a possibilidade de não sermos vistos com bons olhos.











Um comentário:

  1. Lindo, como todos os teus textos. Não sei se me vejo nos óculos quebrados ou na mão que desconta a agressão que recebeu. Engraçado pensar que os óculos, coitados, não têm culpa de nada...

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Rupturas no silêncio...