sexta-feira, 4 de novembro de 2011

(...)



        Dos dias a se lembrar com coisas a se esquecer, eu vou falando como dizia Belchior: “Eu me lembro muito bem do dia em que eu cheguei, jovem que desce do norte...”




A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas,
coisas novas pra dizer
A minha história é ... talvez,
é talvez igual a tua,
jovem que desceu do norte
que no sul viveu na rua

e que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo
e que ficou desapontado, como é comum no seu tempo
e que ficou apaixonado e violento como, como você
Eu sou como você.
Eu sou como você.
Eu sou como você
que me ouve agora.
..

Belchior




... e por aí vai e daí vem. Eu não me esqueço do dia em que dormindo no aconchego do meu lar e fui expulso, sem aviso, sem cerimônia, de repente, de uma vez, como se estivesse fugindo ainda que eu quisesse ficar. Lembro-me da humilhação e da exposição degradante, das luzes ofuscantes, dos risos, da exposição da minha nudez e não bastasse a agressão física me intimando ao choro.

     Havia livros sobre opressão e ditadura, mas ninguém percebia a tirania que se fazia naquele momento. Que crime eu havia cometido para sofrer aquela pena? Fui tirado da minha zona de conforto, meu mundo havia desabado, a vida que eu levava havia sido usurpada e eu não tive o espaço nem mesmo de escolher. Tirado à força, expulso por um lado e puxado para fora. Diálogo? “-Calma, eu posso explicar!” O que é isso? Parecia que eles não falavam a minha língua.

     Pela primeira vez eu sentia o que era fome e antes que pudesse esquecer da dor que eu sentia ainda havia o frio. Eu sinceramente achava que a morte era mais amena que aquilo. Quão intolerante e impiedoso era esse mundo novo! Admirável mundo novo! Até então a hospitalidade rimava com hostilidade. Malditos bárbaros! Eu não pertenço a essa cultura!

     De tanto ouvir que “nada é tão ruim que não possa piorar” comecei a acreditar nisso, mas não desacreditava que mesmo estando pior ainda era possível mudar. No meio daquela “via crucis” mal sabia eu que encontraria a mulher da minha vida. Ainda não sabia que o amor havia se escondido no meio daquela revolução ou daquele golpe na existência (como alguns devem preferir chamar). No meio da minha fome havia aquela mulher a me dar colo e abrigo, a velar meu sono e a conjugar o verbo amar e a me ensinar a conjugá-lo. Pela primeira vez alguém me amava não pelo que eu tinha, até mesmo pelo fato de eu não ter nada além dessa história de amor.

     E passaram se alguns anos até que eu percebesse que nada é tão ruim que não possa piorar e ainda assim não possa mudar. O que era visto como crise naquele passado era apenas uma mudança. Traumática? A psicanálise que o diga! O meu desespero e as angústias daquela hora eram alentadas pela minha inocência em não perceber que aquele fim do mundo era na verdade apenas o começo da história.










     

Um comentário:

  1. O que não é um fim, é ou pode ser um começo?
    A gente nunca identifica o meio?
    A gente nunca sabe quando é o fim, sabe?
    Eu só sei que gostei do texto
    =]

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Rupturas no silêncio...