sexta-feira, 7 de junho de 2019

Vocês não são família, são só mais um grupo de WhatsApp. (Da série: você só tem internet)







“No centro da sala
diante da mesa
no fundo do prato
comida e tristeza
A gente se olha
se toca e se cala
e se desentende no instante em que fala…”
Belchior-Hora do almoço





A fraternidade condicionada e seletiva, os diálogos que se assemelham ao preenchimento de uma ficha cadastral avaliativa de sucesso ou status, os sorrisos diplomáticos  e a celebração por uma porcentagem genética semelhante parecem ser os ingredientes para a concepção dos encontros e das reuniões familiares que mais parecem uma alusão à Guerra Fria em que lados opostos tentam de uma forma além do “passivo-agressivo” demonstrar um maior poderio econômico, social ou qualquer coisa que se sobressaia. 

Da mitologia à literatura evidenciam-se exemplos (quase arquetípicos) de estruturas familiares: Rômulo e Reno, Caim e Abel, Thor e Loki… como se de alguma forma sabedorias em contextos distintos tentassem alertar sobre  a falácia da família unida do comercial de margarina. (Abro um parênteses para que se fosse algo bom seria manteiga e não margarina. Nem mosca pousa em margarina e mosca pousa em tudo.) Parafraseando um amigo jurista, considero plausível a ideia de que uma família só é sincera no momento da herança. Como no dilema do prisioneiro¹, a percepção dos ganhos coletivos superarem os ganhos individuais é facilmente suprimida não sendo incomum encontrar resultados que se afastem do “Óptimo de Pareto”. Encontrar soluções que maximizem os ganhos em jogos cooperativos demandam um pensamento não egoísta do grupo, o que parece distante nesse amontoado de interesses individuais que simulam algo coletivo. O óbvio ganha outras cores dentro de ambientes que carreguem o adjetivo familiar. Avaliações e visões em perspectiva tornam-se mais inverossímeis, como se objeto a ser visto estivesse tão próximo que o observador perde o foco e não consegue vê-lo com clareza.

Outro ponto que me parece na contramão daquilo que poderia ser admirado é o segregacionismo disfarçado de sentimento de pertença. As semelhanças são bem-vindas, quaisquer desvios do padrão serão rechaçados ainda que veladamente. A “ovelha negra” propõe um novo paradigma destoando da perspectiva majoritária e com isso ganha sua passagem só de ida para qualquer lugar que não seja mais aquele espaço. Numa eventual evolução desse processo que flerta com o chauvinismo e o ufanismo fica fácil observar outros vieses de separatismo seja de estados, países ou regiões que estão abaixo geograficamente, mas se consideram acima em das outras partes do país em vários outros aspectos. Longe do meu empirismo ou tentativa de fazer um olhar antropológico, mas não há nada inédito nesse parágrafo, assim como no texto em si como um todo. Não me apetece o sentimento de felicidade em trazer uma ideia possivelmente indigesta para alguns, desconheço o compromisso que algum dia fiz em concordar harmonicamente com tradições embasadas em suposições. No entanto, talvez convenha ratificar a carta de alforria da “moral de rebanho²” e talvez a “ovelha negra” agradeça os generosos convites de retirada dos diversos contextos ilustrados por grupos que ainda não perceberam que são só mais uma janela  aberta com mensagens encaminhadas e não lidas no whatsapp e mais uma vez reitere que a distancia nunca lhes foi tão saudável. 





1 O dilema do prisioneiro faz referência a um problema da teoria dos jogos, sendo um exemplo claro, mas atípico, de um problema de soma não nula. Neste problema, como em muitos outros, supõe-se que cada jogador, de forma independente, quer aumentar ao máximo a sua própria vantagem sem lhe importunar o resultado do outro jogador.
As técnicas de análise da teoria de jogos padrão, como por exemplo determinar o equilíbrio de Nash, podem levar a que cada jogador escolha trair o outro, embora ambos os jogadores obtenham um resultado mais favorável se colaborarem. Infelizmente para os prisioneiros, cada jogador é incentivado individualmente a defraudar o próximo, mesmo após a promessa recíproca de colaboração. Este é o ponto-chave do dilema, ou seja, deverá ou não deverá o prisioneiro egoísta colaborar com o próximo sem o trair, para que a vantagem do grupo, equitativamente distribuída, possa ser maximizada?



Moral de rebanho é um conceito da filosofia de Friedrich Nietzsche que afirma a existência de um comportamento humano puramente submisso e irrefletido sobre os valores dominantes da civilização. São eles ora, aristocrático cavalheiresco, ora cristão ou burguês e se fizeram presentes na grande massa de homens de todos os tempos.
Na moral de rebanho o que move o homem é o hábito, o costume. Adquire-se um modo de ser incorporado, agregado pela civilização, pelas exigências que a sociedade impõe.








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